A Assunção de Nossa Senhora: Um Triunfo de Fé e Graça

A fé católica é rica em mistérios e verdades divinamente reveladas que, ao longo dos séculos, foram cuidadosamente estudadas, compreendidas e, por vezes, solenemente definidas pelo Magistério da Igreja. Um desses momentos marcantes na história da Igreja foi a proclamação do Dogma da Assunção de Nossa Senhora, em corpo e alma ao Céu, oficializado pela Constituição Apostólica Munificentissimus Deus do Papa Pio XII em 1º de novembro de 1950.

Este dogma afirma que "a imaculada Mãe de Deus, a sempre virgem Maria, terminado o curso da vida terrestre, foi assunta em corpo e alma à glória celestial". Se alguém ousar negar ou duvidar voluntariamente desta definição, "naufraga na fé divina e católica".

Uma Ligação Profunda com a Imaculada Conceição

O privilégio da Assunção de Maria brilhou com nova luz após a solene definição do dogma da Imaculada Conceição por Pio IX. Ambos os dogmas estão "estreitamente conexos entre si". Maria, por um privilégio singular e por sua Imaculada Conceição, venceu o pecado e, por isso, não foi sujeita à lei da corrupção do sepulcro, nem teve de esperar a redenção do corpo até o fim dos tempos, como os demais justos.



Petições e Consenso Universal

A definição deste dogma não foi um ato isolado, mas o culminar de séculos de devoção e anseio dos fiéis. Não apenas pessoas comuns, mas também autoridades eclesiásticas, e muitos Padres do Concílio Vaticano (anterior a Pio XII), pediram insistentemente à Sé Apostólica esta definição. Essas petições aumentaram em número e insistência ao longo do tempo, culminando em milhares de súplicas vindas de todas as partes do mundo e de todas as classes de pessoas ao sumo pontificado de Pio XII.

Para discernir a vontade divina, Pio XII consultou diretamente o episcopado mundial através da carta encíclica Deiparae Virginis Mariae, em 1º de maio de 1946, perguntando se consideravam que a Assunção de Maria poderia ser proposta e definida como dogma de fé. A resposta foi quase unanimemente afirmativa, demonstrando uma "singular concordância dos bispos e fiéis". Este consenso do Magistério ordinário da Igreja, assistido pelo Espírito de Verdade, manifesta de "modo certo e imune de erro, que tal privilégio é verdade revelada por Deus e contida no depósito divino".

As Evidências da Fé ao Longo dos Séculos

A crença na Assunção de Maria não surgiu repentinamente; testemunhos, indícios e vestígios dessa fé comum da Igreja aparecem "desde tempos remotíssimos, pelo decurso dos séculos", manifestando-se "cada vez mais claramente".

  • A Fé dos Fiéis: Os fiéis, embora soubessem que Maria teve uma vida de sofrimento e morreu, nunca tiveram dificuldade em crer que seu corpo sagrado "não sofreu a corrupção do sepulcro", nem foi "reduzido à podridão e cinzas". Essa persuasão era impulsionada pelo amor à Mãe de Deus e pela compreensão da harmonia entre os privilégios que Deus lhe concedera.
  • Testemunho Litúrgico: A celebração antiquíssima da festa litúrgica da Assunção (ou Dormição) no Oriente e no Ocidente é uma prova universal e esplendorosa desta fé. Os livros litúrgicos, como o Sacramentário Gregoriano e o Sacramentário Galicano, afirmam que o corpo de Maria foi preservado da corrupção. A liturgia bizantina, por exemplo, relaciona a Assunção corporal não só com a dignidade de Mãe de Deus, mas também com sua maternidade virginal. A própria Sé Apostólica elevou a solenidade desta festa ao longo do tempo, com a adição de vigília e oitava.
  • Testemunho dos Santos Padres: Os Padres da Igreja, como São João Damasceno, exaltavam a Assunção como um corolário de sua virgindade ilibada e sua maternidade divina. São Germano de Constantinopla via a incorrupção do corpo de Maria como decorrência de sua santidade singular, sendo um "domicílio de Deus".
  • Testemunho dos Teólogos: Teólogos escolásticos e modernos aprofundaram a compreensão deste privilégio, baseando-se no amor filial de Cristo por sua Mãe e na incomparável dignidade de sua maternidade divina.
    • Eles faziam ligações com a Sagrada Escritura, vendo na Arca da Aliança (Sl 131, 8) uma imagem do corpo incorruptível de Maria, e na "Rainha" sentada à direita do Redentor (Sl 44,10.14-16) e na "esposa dos Cantares" (Ct 3,6; cf. 4, 8; 6, 9) figuras da glória celeste de Maria.
    • A mulher vestida de sol em Apocalipse 12,1s. foi vista como figura da Mãe de Deus.
    • As palavras "Ave, cheia de graça o Senhor é convosco, bendita sois vós entre as mulheres" (Lc 1, 28) eram consideradas o fundamento da plenitude de graça de Maria que culminaria na Assunção.
    • São Alberto Magno ofereceu vários argumentos baseados na Escritura, tradição e liturgia, concluindo que a Assunção em corpo e alma era "absolutamente verdadeiro".
    • Santo Tomás de Aquino, embora não trate expressamente do assunto, afirma que o corpo de Maria, juntamente com a alma, foi levado ao céu.
    • São Boaventura considerava que, assim como Deus preservou a virgindade de Maria no parto, não permitiria que seu corpo se desfizesse em podridão. Ele argumentava que a felicidade de Maria não seria plena sem seu corpo.
    • São Bernardino de Sena acrescentou que a semelhança entre a Mãe e o Filho exige que Maria esteja onde Cristo está, e a falta de relíquias de Maria é um "argumento que é como que uma experiência sensível" da Assunção.
    • São Roberto Belarmino afirmava que "horroriza-se o espírito só com pensar que aquela carne que gerou, deu a luz, alimentou e transportou a Deus, se tivesse convertido em cinza".
    • São Francisco de Sales perguntava: "Que filho haveria, que, se pudesse, não ressuscitava a sua mãe e não a levava para o céu?".
    • São Afonso Maria de Ligório reforçava que seria um "desdouro" para Jesus se a carne virginal de Maria, da qual Ele tomou a própria carne, se corrompesse.
    • Muitos doutores, como São Pedro Canísio, consideravam a negação da Assunção como "temerária" ou "imbúida mais de espírito herético do que católico".
    • O Doutor Exímio, Francisco Suárez, concluiu que a Assunção deveria ser crida com a mesma firmeza que a Imaculada Conceição.

Fundamento Escriturístico Final

Todos esses argumentos encontram seu "último fundamento" na Sagrada Escritura, que apresenta a Mãe de Deus "extremamente unida ao seu Filho, e sempre participante da sua sorte". Maria é a Nova Eva, unida ao Novo Adão na luta contra o pecado e a morte, uma luta que culminou na vitória completa. Assim como a ressurreição gloriosa de Cristo foi o "último troféu desta vitória", a vitória de Maria também devia terminar com a "glorificação do seu corpo virginal".

A Oportunidade e o Impacto da Definição

A proclamação deste dogma foi vista como um momento providencial, especialmente no Ano Santo de 1950. Pio XII confiou que esta definição seria de "grande proveito para a humanidade inteira", glorificando a Santíssima Trindade e aumentando o amor e a devoção dos fiéis pela Mãe Celeste. A meditação sobre o exemplo glorioso de Maria, com seu corpo e alma destinados ao Céu, mostra o valor da vida humana e pode fortalecer a fé na nossa própria ressurreição.

Em um mundo onde o materialismo ameaça subverter a virtude, o dogma da Assunção oferece um "luminoso e incomparável exemplo" do destino final de nossa alma e corpo, convidando todos a uma vida mais santa e unida a Cristo.


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